Nada é como antes




Vejo o retrovisor embaçado
Me vejo continuamente pretérito
Viro perito, dono e honra ao mérito
Daquilo que decidi segredar
Meu futuro é segredo de estado
Estatal meu presente contestado
Por mentir, fingir e amar,
Detesto possuir enquadrado
Meu atestado, comprovante do meu passado,
Violado, divulgado nas redes sociais,
Hoje ninguém vive mais,
Mais vive aquele que se tranca com cadeado
Que aquele que posta na internet que está ocupado
E todo mundo que quer cuidar da própria vida
Se interessa de repente pela sua
E ela então nem sua é mais.

Você pula, corre, sua
E o retrovisor embaça
Você atravessa a rua descalça
Sobe na calçada e agradece pela vida poupada
O cara da Ferrari, o cara da Charrete,
Soberba luxuosa, ódio ao que não se tem nem se sente,
A riqueza está em sermos nós,
A pobreza nos doma quando estamos sós,
A nobreza só existe quando a natureza perde a voz
Nada existe! A natureza somos nós.
O que você tem postado tem a ver com seu passado?

A sua vida social tem maior importância?
Viva o estado sagrado da dissonância!
Você fala o que quer, ouve o que não quer
E no final tudo acaba passando.
E o retrovisor a cada despertar embaçando
E você não vendo seu passado sumindo,
Tudo o que era simples e bom, evaporando,
E você se preocupando em cutucar.

Faça o que quiser!
Eu prefiro limpar o retrovisor
Andar, correr, curtir,
Amar, perder, sentir,
Gritar, resolver, repercutir
Sonhar, viver, e você aí
Na sua vida inútil, no seu carro estacionado.

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